- Escrito por Lilian Russo
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Reconstrução de cidades gaúchas precisa considerar adaptação climática e é alerta para outros municípios
Em evento no Instituto de Estudos Avançados da USP, pesquisadores lembram como mudanças no clima já estão exigindo preparação dos espaços urbanos e da necessidade de gestores públicos protegerem ainda mais populações vulneráveis
A reconstrução das cidades afetadas pelas chuvas
no Rio Grande do Sul terá de considerar o aspecto das mudanças climáticas, o que inclui mesmo realocar cidades inteiras para lugares diferentes. A avaliação foi feita por José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Nacionais (Cemaden), em evento realizado pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) na última terça-feira (21/05).
“Não temos como parar as chuvas, mas podemos salvar a população”, disse.
Para o pesquisador, a tragédia foi um caso didático de como as cidades brasileiras não estão preparadas para eventos extremos, que serão cada vez mais comuns. “Estamos falando de um Estado poderoso, com indústria e agricultura fortes, então qualquer cidade está sujeita”, reforçou.
Segundo Marengo, o Brasil gasta quase o triplo para remediar os impactos causados por desastres climáticos do que com prevenção. Entre 2013 e 2023, 1.997 pessoas morreram em consequência desses eventos, com prejuízo de R$ 485 bilhões, enquanto os recursos para esse tipo de situação diminuíram desde 2014.
“Reconstrução atrai muito dinheiro, enquanto obras de prevenção são iniciadas em uma administração, mas quem leva o crédito é a seguinte. Essa é a forma que o Brasil funciona”, pontuou o pesquisador na abertura do seminário “Lições do Evento Climático Extremo no Rio Grande do Sul para o Brasil”, que foi transmitido pelo YouTube.
“Um desastre não é a chuva em si. Se ela cai numa área exposta, pode matar pessoas. Se cai numa área com baixa densidade populacional, é simplesmente uma chuva intensa, não um desastre”, comparou.
Segundo Marengo, desastres são uma combinação de fatores, que incluem a vulnerabilidade e a exposição da população, “o que não tem nada a ver com clima, mas com políticas públicas, planos diretores dos municípios”. O risco de desastres, portanto, é forçado por fatores climáticos, mas associado a quesitos socioeconômicos e de governança.
Ariaster Chimeli, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), explanou sobre os problemas econômicos causados pela crise climática.
O pesquisador lembrou uma palestra apresentada no último 1º de abril, durante o Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, na qual alertou para a pressão causada pelo aumento das temperaturas em diversos setores da economia, como o preço dos alimentos (leia mais em: agencia.fapesp.br/51307/).
“No Rio Grande do Sul, algumas safras tinham sido colhidas, mas espera-se a perda de outras. Estamos falando de um Estado muito grande, maior do que muitos países. Então vai haver implicações para gastos do governo. Claro que é uma emergência e esses gastos precisam ser feitos, mas a conta será cobrada mais adiante e pode elevar a inflação”, explicou.
Mudanças necessárias
Pedro Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, lembrou que cerca de 1.500 cidades do país podem ser afetadas de diferentes formas pelas mudanças climáticas, um aviso de que a reurbanização das cidades gaúchas não pode repetir os erros do passado.
“Nossa sociedade é a dos que têm e dos que não têm e isso foi escancarado nessa tragédia. Quando falamos de cidades, temos de falar de problemas sociais, uso irregular da terra, ocupação das várzeas de rios e problemas na drenagem de águas fluviais, que contribuem para a intensificação dos efeitos dos eventos climáticos extremos”, disse.
Um caminho é fazer o diálogo entre os planos diretores dos municípios e o meio ambiente. “Para as cidades brasileiras se tornarem sustentáveis e resilientes, é preciso implementar políticas que garantam articulação entre desenvolvimento urbano e necessidade de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”, explanou.
O climatologista Carlos Nobre, pesquisador do IEA-USP, recordou que os modelos climáticos já previam uma intensificação das chuvas naquela região do país. No entanto, as temperaturas têm aumentado ainda mais rápido do que se esperava.
Por isso, Nobre defende que a meta do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de zerar emissões de gases do efeito estufa até 2050 deva ser revista. “Essa meta foi baseada nos cálculos anteriores, que falavam de um aumento de 1,5° C entre 2030 e 2040. Da forma como está, em 2050 vai passar de 2° C.”
Thelma Krug, vice-presidente do IPCC até 2022 e membro do Conselho Superior da FAPESP, afirmou que o Painel precisa trazer dados mais atualizados em seus relatórios, a fim de se tornar mais relevante para a tomada de decisões.
“É preciso ainda que o IPCC traga mais estudos realizados no Sul Global, que vive situações muito particulares que precisam ser consideradas nos relatórios”, encerrou.
O evento pode ser visto na íntegra em: https://youtu.be/PGouapbH8Ac.
Fonte: Agência Fapesp