- Escrito por Lilian Russo
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Mulheres infectadas por zika na gestação têm risco aumentado de ter filhos com TEA
Transtorno do espectro autista (TEA) é multifatorial, envolvendo também aspectos genéticos, e ainda é muito difícil fazer correlações causais com aspectos ambientais. Mas os estudos começam a levantar potenciais fatores de risco.
A infecção pelo vírus da zika na gestação pode aumentar as chances de desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em bebês. A informação está descrita em um artigo publicado no dia 24 de fevereiro na revista Biochimica et Biophysica Acta (BBA) – Molecular Basis of Disease, por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e do Instituto Pasteur de São Paulo, além de outras
instituições. Os resultados abrem caminhos para o desenvolvimento de medicamentos que tragam algum benefício aos pacientes portadores da Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZ) e do TEA.
Para chegar a essa conclusão, a bióloga Cristine Marie Yde Ohki, primeira autora do artigo, realizou ensaios in vitro (em células), in vivo (em animais) e avaliações em uma coorte com quase 160 crianças com SCZ. Elas são acompanhadas desde 2015 por pesquisadores de Recife, em Pernambuco.
O trabalho é a continuação de uma pesquisa publicada em 2015 na revista Nature. Naquela época, o Brasil vivia um surto de infecção pelo vírus da zika. Segundo o Ministério da Saúde, foram contabilizados quase 3 mil nascimentos de crianças com microcefalia.
Em uma corrida mundial para tentar achar respostas ao que acontecia no País, a USP saiu na frente e publicou um artigo mostrando que a infecção pelo vírus da zika causa restrição de crescimento intrauterino em camundongos e provoca morte de células cerebrais por autofagia e apoptose, com sinais de microcefalia e malformações no córtex cerebral que se assemelhavam aos dos bebês recém-nascidos com desenvolvimento incompleto do crânio.
De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, atualizado em 12 de janeiro de 2024, foram registrados 7.292 casos prováveis de zika da semana 1 até a semana 47 de 2023.
A partir de células-tronco retiradas de dentes de leite (oriundas do Projeto a Fada do Dente) de crianças neurotípicas (denominação utilizada para se referir a indivíduos que não manifestam alterações neurológicas ou do neurodesenvolvimento, como o autismo), as cientistas produziram células do sistema nervoso, os astrócitos, em laboratório, e os infectaram com o vírus da zika. “Quisemos olhar para esse tipo celular porque o astrócito tem um papel fundamental no suporte da homeostase [equilíbrio] do sistema nervoso central e no suporte do neurônio, além de fazer parte da barreira hematoencefálica”, explica Patrícia Beltrão Braga, neurocientista, professora associada do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e pesquisadora do Institut Pasteur de São Paulo.
A barreira hematoencefálica é uma estrutura que tem a função de regular o transporte de substâncias entre o sangue e o sistema nervoso central, barrando a entrada de substâncias tóxicas e de hormônios plasmáticos em excesso.
“Vimos que, na infecção, o zika é capaz de se replicar no astrócito e diminuir a capacidade de captação de glutamato”, relata Patrícia Beltrão Braga. O glutamato é o aminoácido mais abundante no sistema nervoso central (SNC) e age como neurotransmissor excitatório, isto é, que desencadeia uma ação no neurônio-alvo.
O astrócito tem como uma de suas funções captar o excesso desse neurotransmissor para evitar que o cérebro fique com um ambiente tóxico. “Além dessa diminuição na capacidade de captação do glutamato”, continua Patrícia, “vimos que os astrócitos produziram citocinas [proteínas] inflamatórias, entre elas, a interleucina-6 (IL-6).”
Em outro ensaio, astrócitos foram infectados diretamente com zika e o meio dessa cultura celular (cultivada para remover o vírus zika, portanto chamada de sobrenadante tratada) foi colocado em contato com neurônios humanos, também produzidos no laboratório a partir das células de polpa dentária. O objetivo era observar se havia algum comprometimento dos neurônios cultivados num ambiente previamente alterado pela presença do zika. “Percebemos que os neurônios também diminuíam a capacidade de realizar sinapses e estavam alterados, e mais, eles se comportavam do mesmo jeito de neurônios de pessoas com autismo.”
Fonte: Jornal da USP